Shinran Shonin
Godenshô - Vídeo com leitura da biografia do Mestre Shinran
Godenshô - Uma biografia pictórica de Shinran Shonin
Tannishô - O Tratado de Lamentação das Heresias
Mapa das andanças de Shiran Shonin
Cartas do Mestre Shinran - MATTŌSHŌ
Obras principais de Shinran Shōnin:
・Kyōgyōshinshō Como é conhecida a obra Shinjitsu Kyōgyōshō Monrui, é a obra magna de Shinran Shonin, o fundador da seita budista japonesa, Jodo Shinshu.
O título é frequentemente traduzido como O Verdadeiro Ensino, Prática e Realização do Caminho da Terra Pura.
Shōshin Nembutsugue (Hino ao Nembutsu na Verdadeira Mente Confiante), extraído do capítulo “Prática”, da obra Kyōgyiōshinshō
・Jōdo
Wassan (Hinos da Terra Pura)
・Kōssō Wassan (Hinos dos Patriarcas)
・Shōzōmatsu Wassan (Hinos das Três
Idades do Darma)
Essa
ilustração representa o momento em que Mestre Shinran, fundador do Budismo Shin,
está no Rokkakudô (Pavilhão hexagonal), depois de ter descido do Mosteiro do
Monte Huei, após 20 anos de rigorosas práticas. Shinram abandonou a religião que
dizia "este sim, é que está correto". Desvinculando-se de uma religião
especificamente estabelecida, encontra-se, pela primeira vez, com muitas pessoas
comuns. E assim, Shinran, ele próprio, pôde enxergar as pessoas realmente como
pessoas.
Quando pensamos "isto sim, é que está correto", não conseguimos mais ver o que está à volta. Perdemos a capacidade de escutar os Ensinamentos, porque nós não conseguimos perceber esta "armadilha de estar correto".
Massato Uranishi, missionário do Betsuin
Shin Budismo Brasil
Quando Shinran foi exilado para a região de Echigo ele perdeu seu modo de vida
monástico e teve que sobreviver junto dos camponeses da região compartilhando de
suas vidas diárias de trabalho nos campos de arroz. Shinran usou desses tempos
difíceis como uma oportunidade de transmitir os ensinamentos do Nembutsu para as
pessoas comuns que conviviam com ele.
Certo dia, Shinran se direcionou aos camponeses anunciando que viria a lhes transmitir os ensinamentos da Terra Pura, mas como era um dia muito propício para o plantio de arroz, os camponeses disseram que não tinham tempo para ouvi-lo. Shinran então partiu para o campo trabalhar junto com eles. Durante o trabalho no campo, Shinran cantou um poema como forma de transmitir o ensinamento do Nembutsu:
"Cinco
Kalpas de Contemplação para formar o canteiro de arroz;
Uma miríade de Kalpas de disciplina para cultivar o solo;
E tirar as ervas daninhas da Mente de Poder Próprio;
Para plantar a semente da verdadeira fé, a salvação em um único pensamento
instantâneo.
Deixe a água fluir continuamente numa alegria sem fim;
Com o Outono virá o feliz nascimento na Terra Pura de Amida;
A perspectiva do deleite pela farta colheita."
Ouvindo, aprendendo e cantando este poema, os camponeses compreenderam e compartilharam entre si o ensinamento do Nembutsu.
Jiriki x Tariki (Próprio Poder x Outro Poder)
Depois de passar vinte anos no Monte Hiei, o centro de estudos budistas daquela época no Japão, Shinran chegou à conclusão de que meditação, preceitos e outras práticas rigorosas frequentemente reforçam sutilmente nossos egos.
Ele viu que se nos tornarmos bons em ficar sentados parados por longos períodos de tempo, podemos começar a pensar: "Uau, eu sou um grande meditador. Pena que todas as outras pessoas lá fora não têm minha capacidade.”
Da mesma forma, ele viu que um vislumbre da Vacuidade muitas vezes nos leva a acreditar que somos mais iluminados do que as pessoas normais, e que se conseguirmos aderir a preceitos estritos, tendemos a escorregar e pensar: "Eu sou uma boa pessoa, e pessoas que não seguem os preceitos são más.”
Na verdade, Shinran encontrou esse tipo de atitude em si mesmo e em seus companheiros monges. "Eu sei que também sou culpado disso".
Shinran concluiu que pouquíssimos dos monges que encontrou, se é que houveram, estavam atingindo níveis de realização semelhantes aos descritos nos sutras. Além disso, ele sentia que a exclusividade da prática monástica deixava para trás aqueles que mais necessitavam de libertação do sofrimento.
Se a prática budista com tanta freqüência reforçava o auto-apego e criava divisões entre as pessoas, mesmo quando os praticantes acreditavam que estavam fazendo algum progresso espiritual, então a única solução, de acordo com Shinran, era abandonar totalmente as práticas tradicionais.
Afastando-se do Poder Próprio [Jiriki], a noção de que se pode alcançar a realização por meio de seus próprios esforços egóicos, Shinran olhou para o poder além de si mesmo, o Outro Poder [Tariki], refugiando-se no Buda Amida.
Para Shinran, o Buda Amida era a personificação do poder além de si mesmo.
- Rev.
Jeff Wilson
Artigo: The Path of Gratitude (Revista Lion's Roar).
A voz do Shin Budismo da Terra Pura é a do grande mestre, Shinran Shonin (1173-1263). Nascido em Hino, na província de Tóquio, tornou-se monge Budista aos nove anos de idade, no principal centro de estudos budistas, o Monte Hiei.
No Monte Hiei, dedicou-se por vinte anos aos estudos e práticas para alcançar a iluminação. Com vinte e nove anos, Shinran sentiu uma profunda crise: descobriu que a sua aspiração à iluminação esbarrava nos venenos da mente – cobiça, raiva e ignorância – que ele não conseguia esconder, como era comum entre os monges da época.
Eu tentava pacificar minha mente na meditação, mas as ondas do desejo me invadiam a todo o momento. Embora eu tentasse claramente enxergar a lua da Mente Única, as nuvens das paixões vinham a todo momento para encobrir tudo. O momento de uma respiração não era seguido por outra, minha vida se perdia para sempre mais uma vez. Como posso ficar satisfeito com a essa vida transitória? Como posso ficar cego às hipocrisias das disciplinas e dos estudos? – Shinran Shonin (1173-1263).
Insatisfeito com os ensinamentos do budismo tradicional e monástico, abandona o Monte Hiei e desce a montanha para se aproximar da vida cotidiana e das pessoas comuns, caminho que percorreu até o final da vida.
Shinran estava determinado a encontrar uma maneira de se libertar do Samsara – o ciclo de nascimento e morte – e encontrar o Nirvana – o estado de libertação do sofrimento. Para isso, ele meditou por 100 dias consecutivos. No 95º, dia teve uma visão do Príncipe Shotoku, o qual o instruiu a tomar aulas com mestre Hônen.
Esse encontro foi fundamental, pois Honen e Shinran compilaram os escritos dos grandes mestres budistas da Índia, China e do próprio Japão. Ao se tornar discípulo de Honen, Shinran conheceu o caminho do Nembutsu e o sentido para a libertação de todos os seres.
Shinran devotou-se a aprofundar sua compreensão do Voto do Bodisatva Darmakara e a aspirar a liberação de todos os seres sem distinções. Ele levou esses entendimentos para a vida cotidiana e transmitiu de maneira incansável os ensinamentos às multidões de discípulos com a prática do Nembutsu.
A sua profunda autor reflexão e ensinamentos sobre a Lei de Liberação de Amida ocasionaram uma reversão completa do senso comum e dos conceitos budistas da época.
Por isso, quando o ensinamento do Nembutsu incitou ciúmes e críticas das escolas tradicionais, Shinran foi perseguido. Como conseqüência, ele foi destituído da condição de monge e exilado para o norte do Japão em 1207, onde mais tarde se casou. Inaugurou assim, o fim do celibato entre monges, que hoje é comum no Japão, e retornou às raízes do Budismo Mahayana, o Caminho Budista dos Leigos, de uma vida de despertar voltada à realidade, que inclui a família, relacionamentos e o cotidiano.
Depois de receber o perdão, ele se estabeleceu na província de Hitachi onde passou a difundir os ensinamentos do Nembutsu para camponeses, pescadores, caçadores. Nesta mesma época, começou a escrever o texto mais abrangente da escola Shin, Kyogyoshinshô. Posteriormente, aos sessenta anos de idade, Shinran retornou a Kyoto e dedicou sua vida à atividade literária até sua morte aos noventa anos.
Os ensinamentos de Shinran Shonin se tornaram a mais poderosa e influente força no Japão, e agora começam também a ser conhecidos e praticados no Ocidente.
A simplicidade e beleza do Nembutsu ganhou grande aceitação através dos séculos e continuará a mostrar o caminho da libertação para todas as pessoas de todas as terras e lugares
Shinran
nasceu em 1173 na aldeia de Hino, ao sul de Kyoto, no Japão. Era filho do
aristocrata Hino Arinori. Aos nove anos de idade ordenou-se monge no Templo
Shôren-In, situado ao norte do Templo Chion-In, no sopé da colina Higashiyama.
Recebeu o nome monástico de Han-En. Permaneceu até os 29 anos no Mosteiro do
Monte Hiei[1], entregando-se à ascese
e ao estudo. Nessa época o mosteiro do Monte Hiei estava bastante contaminado
pelo mundo profano e praticamente havia perdido de vista o espírito de seu
fundador, o Mestre Dengyô-Daishi. Assim, Shinran não conseguiu encontrar ali a
verdadeira salvação. Muito pelo contrário, ele ali só teve aumentadas suas
dúvidas.
Foi então que Shinran, a conselho de um seu amigo, o monge Shokaku, resolveu visitar o Mestre Hônen [2] na ermida de Yoshimizu. Com Hônen ele encontrou o verdadeiro caminho de salvação. Shinran exprimiu o impacto sofrido com seu contato com Hônen através das seguintes palavras: "Ainda que eu tenha sido enganado pelo Venerável Hônen e venha a cair nos infernos, eu nada terei de que me arrepender" [3].
Shinran passou a se aplicar ao estudo da Doutrina na ermida de Yoshimizu e progrediu tanto que em breve teve permissão para pintar o retrato do Mestre e para copiar seu principal trabalho, a Coletânea Sobre a Escolha do Nembutsu do Voto Original [4].
Entretanto, a comunidade dos adeptos do Nembutsu cresceu tanto que atraiu sobre si a hostilidade dos representantes do Budismo oficial, como os monges do Mosteiro do Monte Hiei e doTemplo Kôfukuji de Nara. A repressão por fim se abateu sobre os devotos, com o pretexto de que estes atentavam contra os bons costumes. O Mestre Hônen e vários de seus principais discípulos foram banidos da capital e alguns destes últimos foram mesmo condenados à morte. Hônen foi confinado em Tosa (Ilha de Shikoku) e Shinran, com 35 anos de idade, em Echigo (Província de Niigata). Foi nesta região que ele se casou com Eshin-ni.
Nesta época, a miséria se alastrava por toda região de Kantô, as pessoas morriam uma após a outra. Mestre Shinran, não podendo afastar os olhos dessa situação de extrema penúria, decidiu realizar o Senbudokuju, prática que consiste em recitar por 1000 vezes o Jôdo Sanbukyô (Os Três Sutras da Terra Pura), ele não podia deixar de orar ardentemente, recitando ardentemente as Escrituras Sagradas, em prol do bem estar de todos. Porém, por mais que lastimasse, por mais que fosse compassivo, não poderia somente com esses sentimentos, salvar as pessoas ao seu redor, isso tudo acabou pesando profundamente no coração do Mestre Shinran, e ele resolveu desistir dessa prática de recitação do Jôdo Sanbukyô.
Shinran
foi anistiado em 1211, mas não quis regressar a Kyoto, onde o Mestre Hônen já
tinha falecido. Preferiu dirigir-se para o Leste do Japão, para Hitachi
(Província de Ibaragi), onde se entregou a atividades pastorais. Ali passou ele
a viver com o povo simples, cultivando a terra árida junto com os lavradores,
sem tempo para olhar para trás e refletir a vida, encarando de frente a rigorosa
vida dos agricultores e, praticando o Nembutsu e muitas vezes batalhando com as
dúvidas que o assaltavam. Seu exemplo tocou profundamente o coração do povo e
seus adeptos foram crescendo em número. Suas experiências nessa época depuraram
cada vez mais sua fé no Nembutsu e o levaram a fazer sua famosa declaração sobre
a Salvação dos Maus: "Se os próprios bons conseguem ir-nascer na Terra Pura; com
muito maior razão, pois os maus o conseguirão" [5]. Tais experiências o levaram
a se proclamar doravante um "tonsurado ignorante". Declarou-se um simples
companheiro e não um mestre dos numerosos devotos que o acompanharam.
Foi durante sua permanência no Leste do Japão que o Mestre Shinran escreveu a "Coletânea de Pensamentos Reveladores do Verdadeiro Ensinamento, Prática e Iluminação da Terra Pura" (Kyô-Gyô-Shin-Shô), verdadeiro manifesto da fundação da Verdadeira Escola da Terra Pura. Durante o restante de sua vida constantemente redigiu anotações e correções a essa obra.
Quando completou 60 anos de idade, uma série de razões levou Shinran a regressar a Kyoto, onde escreveu uma série de trabalhos destinados a seus devotos do Leste, como "Cartas", os "Hinos da Terra Pura", "Hinos dos Patriarcas", "Hinos das Três Épocas" e o "Comentário ao Yui-Shin-Shô" e a redação definitiva do Kyô-Gyô-Shin-Shô. Durante essa fase mudou ele de residência por várias vezes.
No dia 28 de novembro de 1262 encerrou ele sua longa vida dedicada ao Nembutsu, com 90 anos de idade.
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[1] Monte Hiei (Hiei-zan): Sede da Escola de Budismo Tendai, introduzida no Japão pelo Mestre Saityô (Dengyô-Daishi).
[2] Mestre Hônen: Hônen-Shônin, também conhecido como Genkû (1133-1212), venerado pelo Mestre Shinran como o 7º Patriarca na transmissão da Doutrina da Terra Pura. Fundador da Escola da Terra Pura (Jôdo-Shû) no Japão.
[3] Tannishô (O Tratado de Lamentação das Heresias), capítulo II.
[4] Senjaku-Hongan-Nembutsu-Shû.
[5] Tannishô, cap. III.
Shinran nasceu em 1173 na família Hino, ligada ao clã Fujiwara. Seu nome de nascimento era Matsuwakamaru e no decorrer da sua vida teve outros quatro nomes até que escolhesse o nome Shinran.
Ao ser ordenado monge da escola Tendai, com nove anos, recebeu o nome búdico de Hannen, e quando se tornou discípulo de Honen, recebeu o nome Zenshinshō Shakku (KIKUMURA, 2014).
No exílio utilizou o nome Fujii Yoshizane. Não se sabe ao certo como o nome Shinran foi escolhido, contudo, supõe-se que ele tenha sido formado combinando os nomes de dois patriarcas que influenciaram seu pensamento: Tenjin (Tenshin) Bosatsu (segundo patriarca da Terra Pura cujo nome na Índia era Vasubandhu) e Donran Daishi (terceiro patriarca da Terra Pura cujo nome na China era T’an-luan)(KIKUMURA, 2014).
Os escritos assinados por Shinran no final da sua vida vinham precedidos pela palavra gutoku, que em japonês significa “tolo tonsurado”. Portanto, é comum encontrar menções a este monge tanto como Shinran Shonin (Shonin significa pessoa humilde e pura em japonês) ou Gutoku Shinran (KIKUMURA, 2014).
Seus primeiros anos como monge no monte Hiei ocorreram sob a tutela do sacerdote primaz Jien (1155 a 1225 E.C.) cujo irmão demonstrava apreço pela doutrina da Terra Pura de Honen e Shinran logo passou a ser oficiante (doso em japonês) de ritos memoriais no Saguão do Nenbutsu Perpétuo (KIKUMURA, 2014).
Shinran ganhou grande erudição, seguiu os rígidos preceitos disciplinares e manteve-se fiel às práticas mistas da escola Tendai. Porém, ao 28 anos de idade, experimentou certa frustração quanto ao seu progresso rumo a futura iluminação, tendo partido para um retiro meditativo no templo Rokkakudo, em Quioto,onde permaneceu por cem dias (KIKUMURA, 2014).
Em 1201 Shinran foi admitido a sangha de Honen e passou a seguir seus ensinamentos na doutrina da Terra Pura como seu discípulo,seguindo,a partir de então,a prática exclusiva do nenbutsu (senju nenbutsu, em japonês). Durante seis anos Shinran estudou a doutrina da Terra Pura com Honen.
Porém, em 1207, após denúncias de comportamento inapropriado de alguns de seus membros, ocorreu a proibição da prática exclusiva da recitação do nome do Buda Amida, a execução de alguns discípulos e o exílio de Honen e de sete de seus discípulos mais próximos, incluindo Shinran, que é enviado para Kokubo, na província de Echigo.
O exílio foi um duro golpe para todos, de forma que Shinran e Honen nunca mais se reencontraram (KIKUMURA, 2014).
Obrigado a viver uma vida secular, Shinran casou-se com Eshin-ni e constituiu uma família com seis filhos.
O exílio ao qual havia sido submetido foi suspenso após 5 anos e, já na idade de 33anos, mudou-se para a aldeia de Inada, província de Kashima, onde fixou residência entre os anos de 1212 a 1235 E.C. (KIKUMURA, 2014).
Shinran continuou a desenvolver suas atividades de ensino e prática da doutrina da Terra Pura, criando uma sangha pujante, formada majoritariamente por camponeses e vilarejos, o que não impediu que o número de seguidores pudesse ter chegado ao patamar de milhares ao longo do tempo (KIKUMURA, 2014).
Shinran retornouà cidade de Quioto onde residiu até o final da sua vida. Seus principais trabalhos foram desenvolvidos durante este período. Shinran faleceu em 28 de novembro de 1262, aos noventa anos(KIKUMURA, 2014).
No ano de 1253 sua esposa e três dos seus filhos deixaram Quioto em direção à Echigo por conta de uma herança e Shinran fica aos cuidados de sua filha mais jovem, Kakushinni. Após o falecimento de Shirnran, Kakushinni, erigiu um templo para guardar as cinzas do pai. Este local acabou por se tornar o templo principal da escola Jodo Shinshu, mais tarde fundada pelos seguidores de Shinran (KIKUMURA, 2014).
O legado mais importante de Shinran foi intitulado Ken Jōdo Shinjitsu Kyōgyōshō Monrui, também conhecido como Kyogyoshinsho (Florilégio de passagens sobre A Doutrina, A Prática, A Realização Verdadeira da Terra Pura), baseado em três sutras:
Também fazem parte do seu legado os seguintes escritos:
(KIKUMURA, 2014)
A forma como Shinran interpretava os ensinamentos budistas tendo por base a linha de pensamento de Honen e a exclusiva recitação do nome do Buda Amida, ofereceu uma ameaça e uma contraposição às escolas estabelecidas, em especial a escola Tendai, de onde partiu um dos ataques que resultou na perseguição à sangha de Honen. Shinran se referia aos seus ensinamentos como Jodo Shinshu (Ensinamentos Verdadeiros da Terra Pura),exatamente como Shan-tao o utilizara ao se referir aos próprios ensinamentos, o que “daria origem mais tarde a uma seita independente, que afirmava promover os verdadeiros ensinamentos da Terra Pura dentre todos os representantes dessa tradição” (BLOOM, 2007, p. 233)
Shinran postulou que os seus ensinamentos interpretavam a verdade do ensinamento de Honen e fundamentou tal abordagem através de uma linhagem com sete patriarcas que remontavam a evolução da doutrina da Terra Pura desde a remota Índia até a China e Japão. Isto forneceu um contraponto a outras práticas budistas,que provocou um distanciamento entre o povo comum e os monges, e porque não dizer da própria aristocracia, pela dificuldade das refinadas e austeras práticas ascéticas inaplicáveis ao dia a dia e também por seus elaborados ensinamentos(BLOOM, 2007).
De acordo com Shinran, cada mestre [patriarca] tinha visões importantes do significado dos Votos Originais do Buda Amida e confirmava que o modo de se renascer na Terra Pura e de se alcançar a iluminação, por meio do nenbutsu da fé verdadeira, era o significado central dos ensinamentos de Sakyamuni (BLOOM, 2007, p. 233).
Neste sentido, Shinran propôs uma prática capaz de abranger a todas as pessoas, independente de eventuais diferenças pessoais, “seu pensamento incorpora uma visão universal da compaixão incondicional e sabedoria não-discriminatória do Buda Amida, transcendendo todas as distinções sociais, sexuais, morais e religiosas” (BLOOM, 2007, p. 232).
Tal prática, por estar fundamentada na doutrina do próprio Buda Histórico, deveria ser suficiente para que todos os seres, sem distinção, pudessem encontrar um caminho para a iluminação(BLOOM, 2007).
A base do pensamento de Shinran apresentava uma dicotomia entre a realização da iluminação através do próprio poder e aquela alcançada através do Outro Poder, neste caso o poder salvífico do Buda Amida através da exclusiva recitação do Nenbutsu.
Segundo Shinran, os seres sencientes têm suas atitudes fortemente, se não irremediavelmente,influenciadas por paixões mundanas e percepções egóicas, de forma que até mesmo as práticas religiosas não poderiam estar livres e desimpedidas para que a iluminação fosse alcançada por meios próprios, ainda mais se for considerado que o conceito de mappo estava bastante presente naquela época BLOOM, 2007.
Assim, a doutrina professada por Honen e por Shinran encontrava-se primordialmente fundamentada pelo próprio Buda Histórico e tinha por objetivo prover uma forma de se realizar a iluminação também para as pessoas más e degeneradas que viviam o final dos tempos do Dharma(BLOOM, 2007).
Shinran afirmava que era impossível ao ego purificar-se o suficiente para alcançar a iluminação tal como definida pelas várias tradições budistas de sua época. Em consequência ele rejeitava as instituições de tradição Tendai de monte Hiei, onde diversas abordagens da prática pressupunham esse esforço (BLOOM, 2007, p. 234).
Decorre desta postulação uma grande contribuição de Shinran para a doutrina da Terra Pura uma vez que a fé pode ser compreendida como sendo ao mesmo tempo uma tomada de consciência da impossibilidade de se alcançar a iluminação por meios próprios e o surgimento de uma experiência religiosa através da qual há a manifestação de uma compaixão incondicional do Buda Amida que abraça a todos os seres de forma que “quanto mais profunda a consciência do próprio eu corrompido, mais absoluta e envolvente é a certeza da compaixão do Buda” (BLOOM, 2007, p. 235). Assim, a fé se torna um conceito central fundamental no pensamento de Shinran, uma vez que sua interpretação do Grande Sutra da Terra Pura é que do Outro Poder emana a transferência de méritos para que um ser possa renascer na Terra Pura e, neste sentido, a própria fé não é entendida como uma manifestação pessoal, e sim como um esforço do próprio poder, mas é uma dádiva do Buda Amida. Neste sentido, a fé pensada por Shinran pode ser conceituada como uma “confiança” que surge no ser como uma transferência de méritos do Buda Amida(BLOOM, 2007).
Outra contribuição de Shinran concerne à budologia Mahayana, uma vez que na sua interpretação o Buda Amida tinha uma posição superior a outros Budas, sendo ele visto como o Buda da Vida Eterna e da Luz Infinita. Então, o Buda Amida “simboliza a natureza eterna do Buda que permeia o cosmos e se manifesta na aspiração à iluminação ou realização plena, que está presente em todos os seres” (BLOOM, 2007, p. 236).
A soteriologia de Shinran é interpretada como uma manifestação do Buda Amida que ocorre na subjetividade do ser,uma vez que este compreenda que não será possível alcançar a iluminação por seus próprios meios e esta realidade faz com que surja uma confiança do voto salvífico e isto é viável pois todos os seres tem em si uma natureza búdica (BLOOM, 2007).
Shinran também foi responsável por uma nova interpretação do conceito de Upaya: Meios, dispositivos ou estratagemas. De acordo com os ensinamentos do Budismo Mahayana, estes foram criados por budas e Bodhisatvas para ajudar os seres vivos. O equivalente em chinês, fang-bien, normalmente significa “meios”, mas em contextos budistas implica em meios criados por budas de acordo com sua habilidade soteriológica, portanto, “meios hábeis”. O equivalente em japonês, hoben, tem apenas esse significado (PYE, 1994, p.279).
Em um contexto budista mais amplo a doutrina da Terra Pura era considerada upaya, ou seja, um meio hábil através do qual as pessoas simples pudessem romper com o ciclo de nascimentos e mortes e renascer na Terra Pura do Buda Amida de forma que outras escolas consideravam a prática do nenbutsu como sendo inferior às outras práticas(BLOOM, 2007).
Shinran propôs que as práticas das outras escolas tradicionais eram upaya,uma vez que serviam apenas para mostrar aos seus praticantes sua incapacidade dealcançar a iluminação por seus próprios meios, de forma que isto seria o primeiro passo para se admitir como verdadeiro o Voto Salvífico de Amida (BLOOM, 2007).
Assim, Shinran estabeleceu que “o voto, e não a prática gerada por nós mesmos, era a causa e a base da libertação. Nesse processo, os caminhos orientados pela prática do budismo tradicional também são preliminares e constituem um preparativo para o cumprimento do voto de Amida” (BLOOM, 2007, p. 238).
A interpretação de Shinran a respeito da doutrina da Terra Pura foi de tal forma genuína em seu tempo que se afastava de quaisquer outras práticas que tinham por fundamento o próprio poder, ou seja, seus ensinamentos propunham a devoção ao Outro Poder que, de forma absoluta, seria a única fonte verdadeira de salvação e de onde até mesmo a fé (shinjin em japonês) era uma emanação do Buda Amida. Portanto, ao recitar o nenbutsu, Shinran afirmava que o “devoto imediatamente entra para a companhia do verdadeiramente assegurado (shojoju) e alcança o estágio de não-retrogressão (no caminho do Bodhisatva do budismo tradicional), assim como alcança imediatamente o nirvana após sua morte” (BLOOM, 2007, p. 239).
Shinran transformou a orientação para o futuro do nascimento na Terra Pura para uma certeza presente que é dada ao conhecimento por meio da experiência da fé” de forma que o caminho do Bodhisatva permanece com o mesmo significado pregresso da doutrina Mahayana, descrito como a “mente verdadeira do Buda, que é a essência da fé, como a mente benevolente que busca o bem-estar e a libertação dos outros (BLOOM, 2007, p. 240).
Shinran propôs que a fé verdadeira era a inclinação para se alcançar a budeidade como propósito de igualmente manifestar a mente búdica em todos os seres,de forma a que todos pudessem realizar o nascimento na Terra Pura. A isto Shinran chamou de mente adamantina ou verdadeira fé. Em decorrência disso, considerando-se que os seres viventes nada podem fazer pelo seu esforço próprio para alcançarem a iluminação, pode-se concluir que a vida religiosa se resume apenas a recitação do nenbutsu, de certa maneira sendo os seres passivos em relação à vida secular e religiosa. Para Shinran, a vida religiosa “é uma expressão de gratidão pela compaixão do Buda e a garantia de nossa iluminação final por meio de nossa fé/confiança nos votos do Buda. A manifestação concreta dessa gratidão é a recitação do nome do Buda Amida (nenbutsu) (BLOOM, 2007, p. 241).
Assim, o sentimento de gratidão que se expressa no nenbutsu é,também,uma ética no mundo através da qual o bem-estar e desenvolvimento de todos os seres, assim como uma vida social de harmonia e perpetuação dos ensinamentos do Dharma são o meio de manifestação do Buda no mundo(BLOOM, 2007).
A ética de Shinran foi capaz de aproximar os complexos ensinamentos da Tradição Mahayana e da doutrina da Terra Pura a uma preocupação com as relações humanas no mundo, primando pela tolerância religiosa, pela prática da compaixão até mesmo com os mais oponentes mais ferrenhos, pelo desenvolvimento social e pelo ensino do Dharma como forma igualitária de iluminação para todas as pessoas. Tal ética não distinguia bons ou maus, gênero, riqueza ou pobreza ou quaisquer outras características as quais podem ser consideradas “aspectos acidentais da vida” (BLOOM, 2007, p. 242).
Em Shinran, a prática religiosa coexiste com uma ética no mundo que rompe com as tradições da sua época que pregavam: a iluminação de forma gradual através do próprio poder, como na escola Hosso; a iluminação para uma elite, aristocrática ou monástica, baseada em práticas mistas de próprio poder, de esoterismo, adivinhação, mágicas e culto a seres míticos, buscando algum tipo de benefício próprio material ou espiritual, como nas escolas Kegon, Shingon, Tendai e Zen; a iluminação através do Outro Poder, contudo tendo a recitação do nenbutsu como esforço pessoal ou de forma quantitativa, objetivando alcançar méritos, como houvera sido preconizado por Honen(BLOOM, 2007).
Portanto, Shinran enfatizava a gratidão plena pela confiança e fé na iluminação através do voto do Buda Amida ao mesmo tempo de propunha uma ética capaz de manifestar a compaixão búdica como agente transformador da sociedade(BLOOM, 2007).
Shinran desenvolveu uma interpretação original do budismo tradicional e dos ensinamentos da Terra Pura, que transformou o significado da vida religiosa e abriu uma nova alternativa para o desenvolvimento da percepção religiosa budista no curso da história (BLOOM, 2007, p. 233)
Os anos após a morte de Shinran
As inovações e novas interpretações de Shinran alcançaram milhares de seguidores e seus discípulos ampliaram o alcance da doutrina em outras regiões distantes sem que houvesse um movimento específico e sem um plano de sucessão após o seu falecimento(SAFRA, AGUILAR-CAUZ, 2006).
Sua filha mais jovem, Kakushinni, ao erigir o mausoléu em memória de seu pai, determinou que a linha de sucessão ocorreria através de um descendente direto de Shinran. No ano de 1256, houve um fato muito marcante na vida de Shinran, quando seu filho primogênito Zenran criou uma cisão na sangha, fazendo uma interpretação diferente daquela ensinada por seu pai. O conflito entre pai e filho resultou na renegação de Zenran por Shinran e, portanto, Zenram foi excluídoda linha de sucessão (SAFRA, AGUILAR-CAUZ, 2006, p 995).
Kakue, filho de Kakushinni, é o primeiro na linha de sucessão e se tornou guardião do templo, seguido por Kakunyo (1270 a 1351 E.C.), que teve importante participação na estruturação do movimento e na sua institucionalização. O mausoléu de Shinran passou por uma série de disputas após o falecimento de Kakushinniem 1283 E.C. Contudo, foi Kakunyo quem dedicou seus esforços para transformar o mausoléu em templo em 1321 E.C.(SAFRA, AGUILAR-CAUZ, 2006).
Shinran teve nada menos que quarenta e oito discípulos e a fragmentação da sangha após sua morte fez surgir dez vertentes do Budismo Jodo Shinshu. Porém, pelos esforços de Kakunyo, o Honganji se tornou o templo matriz para todos os seguidores na cidade de Quioto(SAFRA, AGUILAR-CAUZ, 2006).
Nos anos seguintes,Kakunyo e seu filho Zonkaku pregaram os ensinamentos de Shinran por diversas partes do Japão. O relacionamento dos dois foi permeado por distintas interpretações da doutrina e visões conflitantes sobre questões políticas da época, o que culminou no rompimento de relações e Zonkaku foi retirado da linha de sucessão. Kakunyo é lembrado por ter escrito o Hoonko shiki (comentários sobre o Hoonko) em 1294 E.C. e realizado o primeiro rito de Hoonko (rito memorial anual para Shinran em 28 de novembro) em 1297 E.C. (SAFRA, AGUILAR-CAUZ, 2006).
Alguns de seus principais escritos são uma biografia de Shinran intitulada Honganji shonin denne (1295 E.C.), uma biografia de Honen (1301 E.C.), Kudensho (Sobre a Tradição Transmitida Oralmente, em 1331 E.C.) e Gaijasho (Correção das más interpretações, em 1337 E.C.).
O nome Honganji foi utilizado pela primeira vez em um documento do templo no ano de 1321 E.C., quando Kakunyo era o abade. A sucessão segue com Zennyo (1333 a 1389 E.C.), Shakunyo (1350 a 1393 E.C.), Gyonyo (1376 a 1440 E.C.), Zonnyo (1396 a 1457 E.C.)(SAFRA, AGUILAR-CAUZ, 2006)
Mestre Shinran, fundador do Budismo Jodo Shinshu
Mestre Shinran ou Shinran Shonin é o fundador
da Escola Jodo Shinshu do Budismo da Terra Pura. É amplamente praticado no
Japão, também em outros países asiáticos e no Ocidente.
Ele nasceu em uma família opulenta como Matsuwaka Maru. Seu pai era Lord Arinori,
que morreu repentinamente quando ele tinha apenas 4 anos e sua mãe era Lady
Kikko, que morreu devido a problemas de saúde quando ele tinha 9 anos. Após sua
morte, Matsuwaka decidiu entrar no sacerdócio. É por causa de seu agudo senso de
impermanência que ele queria entrar no templo. Pensando que seria o próximo a
morrer, ele queria respostas sobre para onde as pessoas vão depois da morte.
Com a permissão de seu tio Lord Noritsuna (que era então seu mordomo), ele se
apresentou no templo de Shoren. Este templo estava localizado no Monte Hiei, a
sede da 1 Seita Tendai. O padre chefe, reverendo Jichin, ficou encantado por ter
anunciado sua cerimônia no dia seguinte. No entanto, Matsuwaka se levantou e
escreveu um poema, em seguida, pediu a seu tio para entregá-lo ao reverendo. Com
hesitação, seu tio entregou o poema que diz:
O reverendo ficou ainda mais impressionado
porque eles realizaram sua cerimônia imediatamente.
Após 10 anos de ascetismo como monge, Matsuwaka tinha um dilema. Ele não
consegue se livrar de suas paixões mundanas. Seus pensamentos são sempre
atormentados por isso. Mesmo sendo considerado o prodígio do Monte Hiei - ele
não é incomparável a ninguém quando se trata de estudos e práticas - ele se
considerava vil e indigno, por isso fez uma viagem a Sinaga, Osaka, ao mausoléu
do Príncipe Shotoku.
Mestre Shinran reverenciava o Príncipe Shotoku. O Príncipe foi considerado o
“Sakyamuni do Japão”, porque foi o responsável pela difusão do Budismo no Japão.
No mausoléu do Príncipe, ele orou por 3 dias e 3 noites. No 4º dia ele estava
exausto física e espiritualmente, ele adormeceu. O Príncipe Shotoku então
apareceu para ele em um sonho e disse: “O Buda Amida se esforça para salvar toda
a humanidade. O Japão é um lugar adequado para o verdadeiro budismo florescer.
Ouça com atenção, ouça com atenção o que vou lhe dizer agora. Você só tem 10
anos de vida restantes. Quando sua vida terminar, você renascerá na Terra Pura
simultaneamente. Coloque sua confiança no verdadeiro professor budista ”
Mestre Shinran escreveu essas palavras imediatamente ao acordar. Este sonho é
chamado de Revelação do Sonho de Shinaga . Ele ficou muito angustiado com
a mensagem de que só tinha 10 anos de vida. No entanto, o príncipe também disse:
"Quando sua vida terminar, você renascerá na Terra Pura simultaneamente." Então,
o que realmente foi sugerido neste sonho? A resposta virá a ele quando fizer 29
anos.
Após 17 anos de treinamento ascético e práticas no Monte Hiei, Mestre Shiran,
agora com 26 anos, ainda está preocupado com sua mente sombria e a questão
crucial da vida após a morte, então ele conversou com o Reverendo Jichin sobre
isso. Isso enfureceu o reverendo porque o que ele está buscando não pode ser
alcançado em 10 ou 20 anos e não deve ser considerado levianamente.
Ele viajou de volta ao Monte Hiei após sua audiência com o Reverendo. Aqui ele
encontrou uma linda mulher. Ela está profundamente perturbada e sofrendo. Ela
implorou ao Mestre Shinran para levá-la à montanha para que ela também pudesse
fazer as práticas. Ele recusou e disse que as mulheres são proibidas no Monte
Hiei desde que foi estabelecido pelo Reverendo Dengyo. A isso a mulher disse que
estava triste com a resposta dele e afirmou que uma pessoa tão importante quanto
o Reverendo Dengyo não teria lido o Sutra do Nirvana, que ensina que todos os
seres sencientes têm natureza de Buda e podem ser salvos. Ela também disse a ele
que a compaixão de Buda era "Quanto maior o mal, maior a pena deve ser concedida
a ele."Se essa lógica for seguida, então as mulheres não deveriam receber mais
compaixão porque estão contaminadas? Ela terminou seu argumento dizendo que se
as mulheres são proibidas na montanha porque estão contaminadas, então a
montanha já está contaminada por pássaros e animais fêmeas. Como pensamento de
despedida, a mulher disse: "Mestre Shinran, algum dia você ensinará o verdadeiro
Budismo que salva todas as pessoas sem qualquer discriminação?" Então ela
entregou a ele um presente, uma linda pedra preciosa, como uma lembrança de seu
encontro. O nome da mulher era Tamahi.
Este encontro deixou Mestre Shinran com pensamentos confusos. Ele estava
encantado com a beleza e sabedoria de Tamahi, mas também duvidava de suas
intenções. Apesar do último, ele não consegue tirá-la de sua mente. Por isso,
ele se considerava um hipócrita. Aquele que segue estritamente os preceitos e
despreza os outros monges 2 que descem a montanha furtivamente para se divertir
com vinho e mulheres, mas aqui está ele abraçando uma mulher em sua mente.
Ainda continuando sua busca, ele teria novamente 2 sonhos que desempenhariam um
papel importante em sua vida.
Aos 28, Nyorin Kannon Bodhisattva apareceu para ele em um sonho e disse:
“Excelente, excelente. Seu desejo logo será realizado. Excelente, excelente. Meu
desejo também será satisfeito. ” “Seu desejo logo será realizado” significa que
você logo alcançará o que sempre desejou. Para o Mestre Shinran, essa é a
questão crucial da vida após a morte. “Meu desejo também será satisfeito”
significa o desejo de Nyoirin. Sua missão de transmitir o voto do Buda Amida
logo será realizada quando o Mestre Shinran alcançar a Felicidade Absoluta. Esta
é a revelação dos sonhos do templo Daijo .
Aos 29, ele recebeu a Revelação do Sonho sobre a Indulgência Sexual do
Bodhisattva Guze Kannon. Aqui Guze Kannon disse ao Mestre Shinran: “Quando o
praticante se entrega ao sexo devido ao seu carma passado, eu assumirei a forma
da mulher Tamajo para ser arrebatada por ele. Vou adornar magnificamente toda a
sua vida e, na sua morte, vou levá-lo a nascer na Terra da Suprema
Bem-aventurança. Este é o meu voto, diga a todas as pessoas. ” Durante esses
tempos, os monges budistas não podem se casar acreditando que, ao fazer isso,
violam o preceito e violam uma mulher. No entanto, os seres humanos nascem do
desejo sexual e distanciar-se dele é como um peixe que tenta distanciar-se da
água.
Mestre Shinran ficou ainda mais desesperado. Afinal, já se passaram 10 anos
desde que o Príncipe Shotoku lhe disse em um sonho que ele só tinha mais 10 anos
de sua vida. Ele decidiu descer o Monte Hiei. Cansado e exausto, um dia ele
estava segurando a grade da ponte Shijo. Aqui ele conheceu o Venerável Seikaku.
Seikaku percebeu que ele estava pálido, então ele contou seus problemas. Seikaku
respondeu que ele resolveu sua questão crucial da vida após a morte por causa do
Mestre Honen. Mestre Shinran pediu ansiosamente para ser levado ao Mestre Honen.
Isso mudaria sua vida dramaticamente.
Foi através do Mestre Honen que o Mestre Shinran descobriu tudo sobre o voto do
Buda Amida, que é alcançar a Felicidade Absoluta nesta vida e em alcançar o
nascimento de tal pessoa na Terra Pura é garantido. Então, aos 29 anos, em 1201,
Mestre Shinran alcançou a Felicidade Absoluta, garantindo assim seu nascimento
na Terra Pura após a morte. A própria pergunta que o fez decidir entrar no
sacerdócio foi finalmente respondida após 20 anos. Por causa disso, ele chamou o
Mestre Honen de “O Verdadeiro Professor Genku” - um professor do
verdadeiro Budismo.
A partir de então, o Mestre Shinran continuou a ensinar sobre os votos do Buda
Amida até morrer com a idade de 9 0 em 1261 . Ele tomou uma esposa (o nome dela
é Eshinni, mas ele também se casou com Tamahi antes dela) , ele teve um filho e
comeu carne - todas as coisas que ele evitou antes de deixar o Monte Hiei, ele
fez e ainda alcançou a Felicidade Absoluta em sua vida atual.
Notas:
Referência rápida sobre o Mestre Shinran:
Mestre Shinran nasceu como Matsuwaka Maru em uma família opulenta
Aos 4 anos : seu pai, Lord Arinori, morreu
Aos 9 anos : Sua mãe, Lady Kikkyo, morreu.
Ele entrou no sacerdócio no Templo Shoren no Monte Hiei, a sede da seita Tendai
Aos 19 anos : Ele estava preocupado com seus desejos mundanos e buscou a
orientação do Príncipe Shotoku, uma pessoa que ele reverenciava. A revelação do
sonho de Shinaga aconteceu
Aos 26 anos : ele buscou uma audiência com o reverendo Jichin por causa de sua
mente sombria.
Ele conheceu a mulher Tamahi.
Aos 28 anos : A Revelação dos Sonhos do Templo Daijo aconteceu
Aos 29 anos : O sonho sobre a indulgência sexual aconteceu.
Ele conheceu o reverendo Seikaku, que o apresentou ao mestre Honen.
Ele conheceu o Mestre Honen, que lhe ensinou tudo sobre os votos do Buda Amida.
Ele o chamou de “Verdadeiro Professor Genku”, por causa disso.
Ele alcançou a Felicidade Absoluta
Aos 90 anos : Ele morreu após 70 anos ensinando Budismo e sobre o voto do Buda
Amida.
3 sonhos desempenharam um grande papel em sua vida, são eles:
1. A Revelação dos Sonhos de Shinaga (do Príncipe Shotoku)
2. A Revelação dos Sonhos do Templo Daijjo (do Bodhisattva Nyorin Kannon)
3. A Revelação dos Sonhos sobre Indulgência Sexual (de Guze Bodhisattva Kannon)
Shinran, o fundador do Budismo Shin, rompeu com a tradição japonesa para iniciar uma religião de igualitarismo radical que disponibilizou os benefícios do budismo a todos.
Em Mente Zen, Mente de Principiante Shunryu Suzuki disse aos estudantes Norte Americanos convertidos para que o seu caminho de sua prática seja o ‘nem de leigo nem o de monge’, um estilo de prática quase monástico, mas sem o apoio tradicional de uma sangha leiga ou patrocínio de ricos.
Mesmo enquanto seguiam a prática budista, os alunos tinham que atender às exigências da vida leiga: manter empregos, amizades, compromissos familiares e todo o resto. Este modelo de “base-central”’ é algo que praticamente todas as comunidades de práticas têm trabalhado desde então.
O que não é tão conhecido é que o modelo de Suzuki de ‘nem leigo, nem monge’ vem de outro mestre anterior: Shinran (1173-1262), uma das figuras mais célebres do budismo japonês.
Shinran foi o fundador de Jodo Shinshu, ou Budismo Shin, como é conhecido em inglês – corrente japonesa da tradição da Terra Pura que se originou na Índia e veio a abranger um enorme número de praticantes do leste asiático. O Budismo Shin apareceu pela primeira vez no Ocidente no final do século 19, e o professor, escritor e tradutor D. T. Suzuki, mais conhecido por suas obras sobre o Zen, escreveu extensivamente na década de 1960 sobre a tradição Shin; porém suas práticas, incluindo cantar o nome de Buda Amida, agora que estão se tornando amplamente reconhecidas na América do Norte entre os budistas convertidos.
Antes de Shinran, grande parte do budismo na Ásia se inscreveu em uma hierarquia clara que situava Monges acima dos leigos. Shinran rompeu com esta tradição de duas maneiras distintas: Ele foi o primeiro Monge japonês ordenado a se casar abertamente, e também foi o primeiro a agir como Monge e simultaneamente morava como um homem de família, vestindo as roupas [de Monge] e ensinando os leigos, mas absolutamente se recusando a viver nos templos. Ao revisar a sua própria vida, ele declarou: ‘Eu não sou nem um monge nem um leigo’. Suas inovações em estilo de vida e status religioso abriram caminho para o igualitarismo radical do Budismo Shin, o que não considerava a vida leiga como um impedimento para a realização religiosa e permitiu que as mulheres fossem totalmente ordenadas antes de muitas outras escolas. Era um caminho que revelaria possibilidades para o desenvolvimento contínuo do Budismo no Ocidente.
Como os seus contemporâneos, o mestre zen Dogen (1200-1253) da Soto-shu [Escola Soto] e Nichiren (1222-1282) da Nichiren-shu, Shinran começou sua carreira como Monge no Monte Hiei, sede da dominante escola Tendai. Todos os três vieram da ordem eclesiástica de Tendai, envolvida com a corrupção, com muitos monges que procuravam riqueza e fama, escondiam suas esposas e namoradas, além de excluir as mulheres do recinto sagrado do Monte Hiei.
Em 1203, Honen (1133-1212), um monge que havia rejeitado recentemente as autoridades do Tendai, estava ensinando um novo caminho de prática da Terra pura em que os leigos e os ordenados eram vistos como iguais no caminho espiritual. Esta prática poderia ser praticada por qualquer pessoa, seja por um membro comum da sociedade, casado e com família ou como renunciante celibatário. Tudo o que o caminho exigia era a prática do Nembutsu, cantando o nome de Buda Amida, ‘Namu Amida Butsu’. Através desta prática, Honen ensinou, que somoss plenamente abraçados pela Compaixão Ilimitada.] Duas décadas em práticas monásticas na seita Tendai, Shinran teve dificuldade em acreditar que tal caminho funcionaria. Para alcançar a libertação, não é preciso renunciar a este mundo, desapegar-se de tudo e completar um difícil caminho de prática? No entanto, antes de abandonar as doutrinas oficiais da Escola Tendai, Honen tinha sido uma das monges mais respeitadas de seu tempo, então Shinran sentiu que poderia haver alguma validade nessa nova abordagem.
Shinran sobre a Grande Confiança
“Quando se contempla o grande Oceano da Fé, ele não escolhe entre o rico e o pobre, não há nada para ser masculino ou feminino, velho ou jovem, não há karma mau pequeno ou grande, não há o peso da duração da prática, não há distinção de práticas relativas e boas práticas, súbita ou gradual, meditativa ou não meditativa, ortodoxa ou heterodoxa… mas apenas a Verdadeira Confiança, inconcebível, inexplicável, inefável” – Kyogyoshinsho
Aos 29 anos, Shinran entrou em um retiro intensivo em Rokkakudo, um templo em Kyoto, na esperança de receber algum tipo de visão ou insight iluminador. No início do 95º dia de seu retiro de 100 dias, Kannon, o Bodhisattva of Compaixão (Avalokiteshvara), apareceu em um sonho e disse: ‘Se o seu Karma deve levá-lo a transgredir o preceito de encontro a uma mulher e se juntar a ela, então eu me juntarei a ela como uma jóia, adornarei sua vida e, eventualmente, levarei você para a Terra Pura ‘.
Despertando deste predição do sonho, Shinran estava convencido da verdade
sobre o modelo ensinado por Honen, tornou-se último discípulo, e entrou no
caminho do ‘Namu Amida Butsu’. Como outros paradigmas de prática única, como
o zazen de Dogen e o Daimoku de Nichiren (recitação do título do Sutra de
Lotus), o caminho do nembutsu de Shinran fora focado como uma prática
central e acessível.
Honen e Shinran, no entanto, não receberam sanção oficial para ensinar este
novo caminho da prática da Terra pura. Eventualmente, Honen, Shinran e
outros líderes do movimento recém-surgido foram processados como Monges
fora da lei, tinham seu status de monges ordenados revogadas, receberam
nomes de leigos e foram exilados para o campo rural. Dois desses Monges
foram executados, tendo sido acusados de quebrar seus votos com damas da
Corte [Imperial]. Eventualmente, quando as situações foram esquecidas,
Honen, Shinran e outros foram autorizados a retornar, mas por essa altura
Honen estava idoso e mal [de saúde]. Ele faleceu dali a um ano.
Shinran, entretanto, sentiu que os fazendeiros, os pescadores e os marginais que ele encontrou no campo eram mais genuínos e com os pés no chão: abriram seus corações ao caminho do nembutsu, da compaixão ilimitada de Amida; mais prontamente do que muitos dos aprendizes, dos hipócritas do clero que pareciam preocupados com pequenas rivalidades burocráticas e os privilégios do poder. Ele decidiu não voltar para Kyoto. Os próximos 30 anos, Shinran viveu e trabalhou entre os camponeses; ele nunca mais morou em um templo. Ele se casou com uma mulher chamada Eshinni, e eles se tornaram parceiros no ministério e na vida, criando sete filhos juntos. Ela [Eshinni] já tivera um sonho que refletia o próprio Shinran: em seu sonho, Shinran era uma encarnação de Kannon, assim como ela mesmo havia cumprido a predição do sonho de Shinran no qual ele encontraria a mulher que emanaria Kannon.
O pensamento de Shinran continuou a informar o budismo no Japão e além, com conceitos como paixões cegas, ser tolo e compaixão ilimitada, tornando-se parte do vocabulário da língua inglesa da prática budista Shin no Ocidente. No budismo Shin, a pessoa presa nas próprias criações de sua mente, é pega devido a suas próprias ‘paixões cegas’ (bonno em japonês). As paixões e os desejos, como palavras e conceitos, não são negativos em si mesmos. É somente quando ficamos obcecados com nossas idéias sobre o que pensamos que somos ou devemos ser que ficamos cegos à realidade diante de nós. Assim como o amor deve ser desdobrado e não pode ser forçado, nossa experiência mais ampla de vida e morte pode realmente se desdobrar apenas na liberdade do encontro mútuo entre nós e o mundo, quando não somos mais cegos por nossa vontade de forçar as coisas a um modelo que foi preconcebido em nossas mentes.
Uma das chaves do pensamento de Shinran reside no fato de que ele viu todos os seres sujeitos a paixões cegas, incluindo monges e monjas budistas ordenados. Ninguém está totalmente livre das paixões cegas. Ninguém está provido do potencial para realizar a libertação dos seus laços. O encontro com a realidade, a realização do vazio, é descrito no budismo Shin como o abraço da compaixão ilimitada (japonês, mugai no daihi; muen no ji). Embora o vazio, além de todas as distinções, seja sem forma e sem caráter, a experiência de libertação do sofrimento de nossas paixões cegas para o vasto oceano do Vazio, é no entanto, experimentado como uma realização positiva, o que Shinran chama de entrada no ‘oceano da Luz Ilimitada’ (kokai) de grande compaixão. A compaixão traduz adequadamente o termo budista japonês jihi, como o primeiro vem do latino com ‘com’ e paixão, ‘sentimento’. Assim, a ‘compaixão’ é ‘sentir com’ o fluxo da realidade, uma compaixão sem limites porque está além da categorização, inefável, inconcebível.
Aquele que está cheio de paixões cegas é chamado de ‘ser tolo’ (japonês,
bonbu), e a encarnação da compaixão ilimitada é Buda Amida. Paixão cega e
compaixão ilimitada, ser tolo e Buda Amida: são termos de despertar na vida
religiosa diária do Shin Budista de Shinran. Além disso, esses opostos são
capturados na prática central do budismo Shin, dizendo ou cantando o nome de
Buda Amida na forma da frase ‘Namu Amida Butsu’, que significa ‘eu confio ao
despertar da Luz Infinita’.
O nembutsu é derivado do Sânscrito Namo Amitabha Buda. Namo é o mesmo que
‘namas’ da saudação sul-asiática ‘namastê’, ‘eu me inclino à você’. Na
prática da Terra pura, ‘Namo’ ou ‘Namu’, ‘eu me curvo’, é uma expressão de
humildade profunda, naturalmente, a partir da consciência de si mesmo como
um insensato cheio de paixões cegas. O nome do Buda Amida vem do Sânscrito
Amitabha, que significa o ‘Buda da Luz Infinita’ (alternadamente, Buda
Amitayus, ‘Buda da Vida Infinita’). No entanto, uma vez que a compaixão
ilimitada sempre está se desdobrando e nunca é estática, a representação
mais precisa é ‘o despertar da Luz Infinita’. Assim como muitas vezes
experimentamos uma escuridão palpável quando estamos preocupados e um
sentimento de clareza ou iluminação quando somos liberados de nossas
preocupações , a realização do vazio / unicidade vem a nós como um vívido
senso de Luz Ilimitada: nos tornamos mais conscientes da presença da
natureza ao nosso redor, como as sutis flores que crescem à beira da
estrada.
Nós nunca podemos nos livrar completamente das paixões cegas, no entanto, enquanto vivermos nesta mente e corpo limitados que chamamos de ‘eu’. Em qualquer momento de libertação de nossa prisão do ego, podemos sentir o ímpeto profundo para nunca mais reclamar novamente, nunca mais prejudicar os outros. E ainda assim nos queixamos; ainda assim prejudicamos. No entanto, uma vez que fomos despertados para a ação da compaixão ilimitada de Amida, cada momento de ignorância e paixão cega torna-se outra oportunidade de obter uma visão e aprender de novo, e ao longo do tempo nossos apegos começam a suavizar e liberar-se um pouco mais facilmente. No Budismo Shin, valorizamos muito as nossas paixões cegas como a própria fonte de nossa própria sabedoria e compaixão.
No ritmo diário da vida do nembutsu, de dizer ou cantar ‘Namu Amida Butsu’, os momentos mais pequenos de reflexão e apreciação possuem tanto significado como as grandes realizações. Se estamos conscientes no momento de dizer ‘Namu Amida Butsu’ ou não, nossa vida se transforma ao longo do tempo por estar mergulhada na totalidade do Dharma, através da audição dos ensinamentos, bem como cânticos, prostrações e outras práticas corporais. Assim, ao ver uma planta começar a murchar, lembro-me da minha tolice em esquecer de fornecer água ao ser que me dá beleza, ar fresco e brota nova vida. Ao ouvir o meu gato miar, volto para olhar meu relógio, visto que em minhas preocupações eu esqueci da sua comida.
Se somos leigos ou ordenados, mulheres ou homens, é somente através do reconhecimento de nossos erros que aprendemos e crescemos. Nossas paixões cegas são como fertilizantes para o campo de nosso próprio desenvolvimento espiritual, como paixões cegas e compaixão ilimitada andam de mãos dadas: quanto mais nos tornamos conscientes da nossa loucura, maior será a iluminação da compaixão ilimitada; quanto mais profundamente entramos no oceano da compaixão ilimitada, mais percebemos como nos afogamos em nossa própria loucura. É um processo pelo qual estamos iluminados e imersos na Luz do oceano da grande compaixão de Amida. Ao cantar o Nome de Amida, a mente verdadeira, real e sincera de Amida torna-se una com a mente do seguidor através da ação da compaixão ilimitada. Shinran viu-se como o ser mais tolo de todos e chamou-se de ‘Gutoku Shinran’, que significa, literalmente, ‘Shinran, o tolo tonsurado’. Suas vestes não eram tanto um sinal de realização religiosa, mas sim um reflexo de sua auto-representação como um tolo recebendo o dom da compaixão ilimitada.
Esta é uma mensagem universal com a qual qualquer pessoa pode se relacionar. Mesmo os mestres budistas mais bem sucedidos são, no entanto, humanos, têm fraquezas e limitações e estão sujeitos a erros e a falibilidade humana. Assim, entre os seguidores do caminho de Shinran do budismo Shin, havia monges formados, bem como camponeses analfabetos, e certamente alguém poderia ver um mestre mais adiante no caminho budista do que um mero leigo. No entanto, Shinran viu as coisas um pouco diferente. Enquanto a norma é ver o monástico formado bem avançado no caminho, Shinran viu seus seguidores leigos, muitos deles camponeses analfabetos, iguais ou mesmo superiores aos monges de sua época. No que é talvez a passagem mais famosa do Tannisho, um registro das palavras de Shinran feitas por seu seguidor Yuien, Shinran é citado dizendo:
“Mesmo uma boa pessoa atinge o nascimento na Terra Pura [a realização do reino do vazio], quanto mais a pessoa doente [que está sobrecarregada com o peso kármico das paixões cegas].
Mas as pessoas do mundo constantemente
dizem: ‘Mesmo a pessoa má atinge o nascimento, quanto mais a pessoa boa’.
Embora isso possa ser falado à primeira vista, isso vai contra a intenção
do… Outro Poder. A razão é que, uma vez que a pessoa de auto-poder, sendo
consciente de fazer o bem, não tem o pensamento de confiar seu eu
completamente ao Outro Poder, ele ou ela não é o foco de [compaixão
ilimitada],… de Buda Amida. Mas quando o auto-poder é removido e confia-se
no Outro Poder ocorre, que a pessoa atinge, [ou percebe] a Terra da
Verdadeira Recompensa [a Terra Pura do Vazio].”
Esta afirmação traz um significado universal. A condição humana, tem o karma
de querer se identificar com o ‘bem’ e evitar ver o ‘mal’, ou com o
potencial para o mal kármico dentro de si. No entanto, procurar se
apresentar sempre como ‘bom’ é ser apanhado no funcionamento do ego, ou o
que Shinran chama de ‘auto-poder’, impedindo que se abra ao desdobramento
espontâneo da Natureza de Buda, A Grande Compaixão, o que Shinran chama
‘Outro Poder’ é ‘diferente do ego’. A declaração de Shinran ‘quanto mais a
pessoa doente’ também traz crítica específica de seus contemporâneos, Monges
Formados que presumem ser especialistas em budismo, mas exibem seu status
social e privilégio, em contraste com os agricultores e os povos comuns que
carecem de tais pretensões e estão em maior harmonia com os ritmos da
natureza, que possuem muito pouca riqueza material e devem viver em
constante consciência de impermanência. O ponto sutil aqui é que o budismo é
uma prática corporal primeiro, em que se fala o nembutsu em voz alta. Então
o coração pode abrir e a mente pode seguir, mas somente se alguém é
suficientemente humilde e livre da necessidade de possuir e o desejo de
controlar o mundo através do intelecto.
Shinran definiu dois momentos-chave no arco do caminho do nembutsu: shinjin, confissão verdadeira, como o momento de Realizar Compaixão Ilimitada, e ojo, nascimento na Terra Pura, que vem ao final da vida. Há um paralelo com a história do Buda histórico Shakyamuni: sua conquista do nirvana aos 35 anos e sua entrada no parinirvana, repouso completo, aos 80 anos. Esses dois momentos também são conhecidos como ‘nirvana com resíduo’ versus ‘ nirvana sem resíduo ‘, onde o que ‘resta’ ‘denota o resíduo do karma que permanece ao viver essa vida finita. Perceber a verdadeira confissão é ser iluminado, abraçado e dissolvido na grande Luz da Infinita Compaixão de Amida, mas é apenas no fim da vida, entrando na Terra Pura além da concepção, que é totalmente liberado dos laços da existência . Mesmo assim, a promessa budista do Shin é parar pouco a pouco e retornar a este mundo para completar a jornada de bodhisattva da libertação universal em serviço aos outros.
Shinran sobre ter um Coração Honesto:
“Aqueles que nem conhecem os personagens
para o bem ou para o mal,
Todos têm corações honestos e reais.
Aqueles que fingem saber o que é bom e ruim
estão apenas apresentando um show.
Não sei o que é realmente errado ou certo, ortodoxo ou heterodoxo.
embora sem a menor misericórdia ou compaixão,
Eu quero ser reconhecido e ensinar os outros.”
Enquanto alguns podem experimentar um ótimo momento de realização, semelhante à realização do nirvana pelo Buda, outros podem experimentar uma série de momentos menores que não são menos significativos. Aqui há uma certa semelhança com a prática koan do Rinzai Zen, a série de problemas não-lineares que o praticante deve passar. Alguns experimentam um grande avanço, alterando a vida, seguido de realizações menores que ajudam na maturação; outros experimentam uma série de realizações menores que pontuam um processo de aprofundamento do despertar. Grande ou pequeno, pequeno ou grande, cada momento é incomparável como uma expressão do despertar da Luz Infinita.
Esta é a nossa dança com a realidade e conosco, o ritmo e a música de ‘Namu’, em nossa tolice e ‘Amida Butsu’, como a fonte da compaixão ilimitada que surge da nossa realidade mais profunda e verdadeira. Em última análise, mesmo o nembutsu não surge de nós mesmos, de nosso próprio ego, mas é experimentado como um chamado do nível mais profundo da realidade, das profundezas de nosso próprio ser, em que o fluxo do vazio ou unidade é realizado em cada manifestação de forma e aparência. Assim, Shinran afirma: ‘A verdadeira confissão é a Natureza de Buda’. O movimento da compaixão ilimitada também é conhecido como o Voto Original de Amida (japonês, Amida no hongan), o voto de levar todos os seres à realização da unidade, surgindo espontaneamente das profundezas da existência. O nembutsu expressa nosso recebimento deste voto profundo para libertar e perceber a unidade com todos os seres, porque todos os seres são o eu. É uma expressão de profunda gratidão, que nossas vidas são sustentadas na maior rede de interdependência. Nós somos sustentados por aqueles que ajudam a prover nosso meio de vida, comida, abrigo, família e amizades, e em um nível mais profundo, somos naturalmente movidos a expressar nosso apreço pelo sofrimento compartilhado na vida e na morte, nossa iluminação mútua na loucura e compaixão , nossa unidade no caminho que nos leva além da vida e da morte. Este é Namu Amida Butsu.
A declaração de Shinran ‘Eu não sou nem monge nem leigo’ vem no final de seu trabalho principal, o Kyogyoshinsho (Tratado de Ensino, Prática, Confissão Verdadeira e Realização). É uma declaração histórica, descrevendo as circunstâncias de seu professor e ele próprio no sofrimento: exilados, defraudados, mas ainda ensinando no campo. É também uma declaração filosófica em consonância com a dupla verdade, com o vazio como base da realização religiosa que está além de todas as categorias, leigo e ordenado. Em última análise, é a própria auto-expressão de Shinran como um ser tolo: ‘Não sou qualificado para ser considerado um bom monge ou um bom leigo’.
O
igualitarismo de Shinran está enraizado na realização da unidade profunda
com todos os seres. É radical na sua inclusão, além das palavras e na
profundidade da autoconsciência. Qualquer crítica feita aos seus
contemporâneos na vida monástica, bem como o seu apreço por camponeses e
pescadores, veio de um lugar de inclusão em que Shinran se viu como o maior
dos tolos. Em um momento de grande turbulência social e política, ele
expressou suas críticas e defesa semelhante de um lugar de grande compaixão.
Talvez haja algo de valor nisso ao qual possamos considerar hoje.
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Mark Unno é Professor Associado da cátedra de Budismo do Leste Asiático no Departmento de Estudos da Religião na Universidade de Oregon e o autor de Shingon Refractions: Myoe and the Mantra of Light. Ele mora em Eugene, Oregon.
“The Original Buddhist Rebel,” by Mark Unno, originally published in the Winter 2017 issue of Tricycle: The Buddhist Review, vol. XXVII, no. 2. www.tricycle.org.
NOTA: Este artigo foi publicado originalmente na Tricycle: The Buddhist Review, vol. XXVII, no. 2 e foi traduzido e publicado com autorização do autor e da editora da revista. A reprodução é consentida desde que citada ambas as fontes, do texto original e desta tradução.