Guenza

O Myokonin Guenza viveu de 1842 a 1930, na região de Yamane, muito citado pelo famoso pesquisador e intelectual japonês, Soetsu Yanagui (1889 – 1961) que foi professor na Universidade de Harvard.

Algumas passagens que mostram sua dedicação à vida e filosofia budista, e a sua simplicidade, típica dos Myokinin:

Um dia, Guenza se levanta de manhã cedo e vê a chácara toda cavoucada pelos meninos da vizinhança, que roubaram as batatas que plantara. Ele examina e terreno, e deixa uma enxada. Indagado o porquê, responde simploriamente: “É para os meninos não machucarem as mãos”.

Em uma noite, sua mãe pede para ele trazer algumas batatas da sua chácara. Ele volta sem elas. “O que aconteceu, não trouxe batata nenhuma ?” . 'Daqui a pouco , volto para apanhá-las. É que, no escuro, tinha um vizinho roubando-as, e fiquei constrangido em surpreenê-lo.”

Da mesma forma, noutro dia, deixou uma escada de banbú embaixo dos pés de caqui, para os meninos não caírem da árvore, à noite.

Depois de alguns dias: “Quanto tempo vai deixar essa escada encostada na árvore, você não está vendo que os meninos vão continuar roubando caqui do seu pé ?” Ao que ele responde: “O que é que tem ? Assim comemos menos em casa, e não ficamos todos com dor de barriga...”

Após entregar uma encomenda na cidade, Guenza estava voltando para casa, na aldeia distante, já de noite. Caminhava pela forte ladeira de Kumasaka recitando Namandabu Namandabu Namandabu, quando percebeu que um vulto o seguia.

Certamente era um bandido que o tinha visto na cidade, recebendo a bolada de dinheiro.

Guenza se vira, e diz: “Parece que quer me assaltar. Posso dar-lhe minha carteira, você deve estar necessitado. Então, siga-me em confiança, mas me deixe ir falando sobre os méritos de Buda.” O bandido o acompanhou, foi ouvindo a sua fala, sem poder fazer nada. Chegados à aldeia, Guenza entregou-lhe como prometido a carteira, e além disso, como era tarde da noite, convidou-o para jantar e dormir em casa. E ainda preparou uma marmita para o dia seguinte. De manhã, acorda, e diz: “Uai, que esquisito, ele foi embora. E ainda deixou a carteira que lhe dei !”

Como é que você deixa seus netos rasgarem o shôji, o papel que cobre as janelas ?” “Uê, se não fazem isso agora, que são crianças, depopis de crecerem é que não poderão!”

Guenza costumava dormir na frente do altar, tanto em casa como na nave do templo. Repreendido, respondeu: “É que me sinto tão à vontade, protegido, que me relaxo, o que me leva ao sono. Que mal há nisso ?”

A pessoa que o acompanhou para ouvir os ensinamentos de Buda, na volta, confessou a ele:”Guenza-san, agradeço a sua gtentileza, acho que você chegará ao Nirvana, mas meu destino é o inferno”. “Que é isso ! Se eu estivesse certo que chegarei ao Nirvana, não precisaria da companhia do Buda Amida, Só sei que é ele que me impede de cair no inferno”.

Seria um erro pensar que Guenza estava sendo condescendente com as crianças da vizinhança que roubavam, ou que estava simplesmente perdoando o assaltante. Certamente ele se tornou o líder da comunidade para conversar com os pais, ou um representante político para dialogar com os poderes políticos sobre a situação de pobreza e desemprego que assolava a região, ou negociar com os atacadistas melhores preços para a produção local. Não era um simples simplório ignorante.

Nesse ponto é interessante notar que da perspectiva budista, todo ato individual repercute socialmente, quer seja como vítima ou como responsabilização compartilhada. É o Não-Eu: não existe comunidade sem indivíduos, como não se encontra indivíduo que não pertença a nenhuma comunidade.

Assim, especialmente no Shin-budisno, qualquer ato, longe de ser passivo ou conformista, assume repercussão social.

Em outras palavras, não há como requerer a iluminação individual, pois se não se realizar socialmente, a Luz se apagará. Qualquer simbolização abstrata intencional requer o resultado da sua realização concreta.